The Heart’s Invisible furies – John Boyne

O último livro do John Boyne, lançado recentemente no exterior pela Hogarth Press (22 de agosto, de 2017), e com data de lançamento no Brasil anunciada para 06 de outubro, pela Companhia das Letras, The Heart’s Invisible Furies, ou, no título aqui no Brasil, As Fúrias Invisíveis do Coração, é um romance que perpassa a Irlanda dos anos 1940 até os dias atuais.

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Com apenas três dias de vida, Cyril é adotado por um rico casal irlandês, Maude e Charles Avery, os quais o criam consciente de que ele não é um “Avery de verdade”. Assim, toda vez que é indagado por alguém sobre seus pais, Cyril salienta que eles são seus “pais adotivos”, e que nunca conheceu seus pais biológicos. Não sendo realmente um Avery, Cyril vai passar sua vida inteira em busca de sua identidade; não exatamente como um propósito de vida, mas porque seu caminho se cruza inúmeras vezes com tantas coincidências que ele não poderá ignorar tais fatos.

Além da pouca afetividade que recebe dos pais durante sua infância, já bem jovem, Cyril se descobre gay, em meio a uma sociedade irlandesa muito pouco tolerante a homossexuais.

Afinal, será que a busca da felicidade pode durar uma vida inteira?

Leia o livro e tire suas conclusões.


Com esse livro, John Boyne vai nos apresentar, sem receios, de forma cômica, bela e comovente, a história de seu país despido de atenuantes.

Padres hipócritas, teocracia, homens machistas, esposas coniventes, e sociedade julgadora, claro, não foram, infelizmente, características exclusivas da Irlanda, mas de praticamente todos os povos católicos que se tem conhecimento. A peculiaridade da história, todavia, é que Boyne, mais uma vez, depois do romance “Uma História de Solidão“, nos denuncia de forma mais  ampla, e até com uma boa dose de humor, os abusos e corrupções praticados pela Irlanda Católica.

Ainda que a análise seja feita de forma genérica, é preciso, claro, figuras que possam representar tais abusos e hipocrisias. Assim, o livro inicia-se com Catherine Goggin, com apenas 16 anos de idade, sendo humilhada publicamente pelo Padre James Monroe durante a missa, sendo chamada de prostituta, além de ser enxotada da igreja e banida da paróquia por estar grávida. A vergonha da família.

Não é nenhum spoiler dizer que Catherine Goggin é a mãe biológica de Cyril Avery, pois logo nas primeiras páginas da extensa história isso é revelado ao leitor, bem como o fato de que em algum momento de suas vidas Catherine e Cyril se descobrem mãe e filho. Mas os percalços e sofrimentos que terão de passar até esse dia revelador chegar são a essência do livro.

O livro está bem avaliado no Goodreads, com 4.5 estrelas (dados atualizados até a data de hoje). Ainda assim, encontrei comentários de algumas pessoas reclamando que acharam o livro muito longo. Sim, é verdade. É uma “extensa história”, como eu apontei há pouco. Mas eu não tenho reclamações quanto a isso. A meu ver, foi uma decisão não apenas acertada do autor, mas um resultado natural da proposta apresentada. Boyne vai nos contar o que sucedeu à Irlanda nos últimos 70 anos: do pós Segunda Guerra, 1945 até os novíssimos anos de 2015, e, como sempre, com muita propriedade. Não se faz uma boa história que passa por 70 anos de memórias se forem levianamente narrados. Ademais, a narrativa pode se focar no país natal de Cyril,  mas ele não passa toda a sua vida apenas na Irlanda. Essa extraterritorialidade vem talvez como o único elemento suavizador das críticas ao país de John Boyne: o preconceito e a intolerância com relação aos gays era – e ainda é, infelizmente – uma realidade pelo mundo todo.

Polêmico? Não. John Boyne se sai muito bem com o livro ao tratar de um assunto tão importante e sério, mas sem causar polêmica; pelo menos a vista dos dias atuais. Consegue impor a indignação necessária ao leitor ante a crueldade de figuras hipócritas, mas também sabe despertar naturalmente o riso, porque afinal, é como o assunto  da homossexualidade deveria ser tratado: com naturalidade. Para arrematar, muito bem ciente do preconceito existente, mesmo nos dias atuais, Boyne nos traz um protagonista carismático, humano, e portanto falho, mas muito gentil. Como não gostar de Cyril Avery?

E, ainda, característico das obras de Boyne, personagens e fatos fictícios vão se misturar a figuras históricas reais. Tudo para ganhar o imaginário do leitor, que se transporta para dentro do livro e realmente imagina tudo acontecendo.

Revelação pessoal: ao final, eu chorei. A felicidade pode ser uma vingança? Eu acredito que sim. E uma das coisas que eu mais gostei do livro é que, na minha cabeça, eu realmente senti que terminei de ler a história como se houvesse passado 70 anos. 70 anos de lição, de sofrimento, de vergonha, mas 70 anos de vida que valeram uma bela história e um belo encerramento. Fez eu pensar também nas configurações modernas das famílias, e como é possível encontrar amor nos mais inusitados lugares,  e como ser parte de uma família, pertencer a algum lugar, significa simplesmente ser amado. Enfim, fez sentir que vale a pena viver e continuar tendo esperança de que dias melhores virão.


Um pouco mais…

Esse é, enfim, o primeiro romance de John Boyne em que ele adentra a contemporaneidade, algo que ele tinha se desafiado a escrever. Desafio então cumprido! Embora a história não se passe toda nos dias atuais, John Boyne finalmente se aventura a trazer elementos contemporâneos para a história: Tinder, iPhone, iPod, Twitter

Lendo em inglês foi bem clara a transição do tempo não apenas pelos elementos factuais, mas principalmente pela maturidade que o protagonista vai adquirindo, bem como a linguagem da narrativa se modernizando suavemente. John Boyne tem um jeito muito singular de contar suas histórias. Há um certo formalismo que empresta sempre um tom elegante às suas narrativas adultas, mas para chegar aos dias atuais ele provavelmente teve de mexer um pouco nisso. Quero muito ver como vai ficar em português as páginas finais do livro dedicadas ao ano de 2015!


Informações adicionais sobre o livro (do original):

Meu review foi feito com base na leitura do livro na versão original, que tive a felicidade de adquirir em uma recente viagem aos EUA. Por ser superfã do John Boyne, que eu considero meu autor favorito, não pude perder a oportunidade de comprar de antemão, porque não sabia da previsão de chegada para o Brasil até então.

Data da compra: 24 de agosto de 2017

Editora: Hogarth (22 de agosto de 2017)

Capa dura: 582 páginas

ISBN 1524760781  – ISBN13: 9781524760786
Idioma: Inglês

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